Passeando pelo entrelaçado
Durante séculos, concepções urbanísticas travaram relações predatórias com a natureza: ignorando-se as condições ambientais de um determinado sítio, o ser humano buscava “enquadrar” a natureza a qualquer custo, colhendo como consequência uma grande quantidade de desastres e fatalidades que ainda hoje assombram nossas cidades. Nos dias atuais, de maneira progressiva, setores mais progressistas do urbanismo tem procurado mais uma "coabitação" com a natureza do que uma imposição forçada.
A metáfora do parágrafo acima, ainda que a princípio muito específica, fala sobre um modo de estar no mundo, de habitá-lo, de pensá-lo. Nesse sentido, acaba nos fornecendo uma importante ferramenta para a compreensão do trabalho da artista Fabiañá Préti. Seu ponto de partida foi a azulejaria: criando ou simulando azulejos através de pinturas, a artista construía jogos visuais dinâmicos e padrões geométricos. Com o passar do tempo, o interesse pelo suporte passou a se destacar mais do que propriamente os motivos que Préti executava.
Em uma série de trabalhos Sem Título, de 2022, a artista constrói composições retangulares com alguns motivos que, no passado, figuravam em sua azulejaria. O fundo dessas composições é neutro e acinzentado. Desprovido de detalhes, ele isola esses motivos, os colocando em claríssimo destaque, para que possam ser cuidadosamente observados e esmiuçados. Vistos a distância, fogem da natureza planar que os caracterizou em trabalhos anteriores. Emanam textura, como se fossem mosaicos. Vistos de perto, percebe-se que são construídos por uma trama de palhinha, a mesma utilizada em cadeiras. Se antes essas formas funcionavam solitárias e absolutas, agora o interesse de Préti reside na trama que as compõem e cuja qual, a não ser pelos recortes e enquadramento que executa, ela praticamente não intervém, deixando a natureza da mesma se sobressair na composição.
Em outra série recente, a artista busca “rastrear” no suporte as linhas que constituem o tecido da tela, imprimindo sobre elas feixes de cor que acompanham seus trajetos. Em alguns momentos, esse pigmento se adensa, formando minúsculos quadrados, em outros, se afunila até praticamente desaparecer em meio a intrincada trama. Com isso, cria-se um jogo visual com distintas espessuras, cores, adensamentos e respiros, trazendo para a composição um interessante dinamismo. Neste caso, Préti, ao invés de se impor agressivamente sobre o suporte em que trabalha, o estuda, esquadrinha, entende suas possibilidades para, em seguida, imprimir sobre ele possibilidades pictóricas. Das mais diversas.
Um artista pode ser um criador, acumulador, editor e muitas outras coisas. A julgar por seus trabalhos mais recentes, pode ser razoável pensar em Fabiañá Préti como uma “caminhante”. Não no sentido literal da palavra, mas no sentido de alguém que passeia por tramas e estruturas, investigando e experimentando suas possibilidades.
Teo Monteiro